sábado, 9 de maio de 2020


UMA DESPRETENSIOSA APOLOGIA DO RIO
        
     ― Eu não sei por que cargas d’água eu me peguei pensando em  Machado de Assis.  Mais respeitosamente,  em Joaquim Maria Machado de Assis, idealizador, fundador e patrono da Academia Brasileira de Letras.  E muito mais respeitosamente, ainda, no autor de uma vasta obra constituída de, nada mais, nada menos, 600 crônicas, 216 contos, 10 romances, 12 peças teatrais, e 5 coletâneas de poemas e sonetos de autores sul-americanos, norte-americanos, e europeus.
Nota importante:   A foto que ilustra o título da  Postagem é de 1901.  Vê-se o Pão de Açúcar ao fundo,  e em primeiro plano vê-se a antiga Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco)

Machado de Assis - Imagem: Fundação Biblioteca Nacional
E por que ele – esse mulato atrevidamente frutuoso, como arrazoado inicial para essa nova postagem?   
Começamos por dizer que ele carregava, exacerbadamente, o vírus da paixão pelo Rio de Janeiro.  Muito mais, por exemplo, que a de um certo capitão – motivo de vergonha e constrangimento para esta sacrossanta terra descoberta por Cabral.  Mas, isso já é outra história. Vai ficar, talvez, para a última parte desta postagem, uma vez que não desejamos conspurcar o nosso tema de hoje.  
Voltemos ao amor desmedido de Machado de Assis pela sua cidade natal.  Aqui cabe salientar que para de Machado de Assis, a cidade do Rio de Janeiro não era somente pano de fundo ou cenário em suas obras, mas personagem pulsante.  Sua visão da cidade que tanto amava, não era sentimental, nem pitoresca. Para Machado, o Rio de Janeiro era uma realidade humana.  (“Dom Casmurro”, um dos seus mais renomados romances  – e traduzido para 21 idiomas – é um exemplo disso). 

Machado de Assis nasceu em uma casa situada numa das muitas ladeiras do Morro  do Livramento, região central do então município do Rio de Janeiro,  em 21 de junho de 1839.  Com 30 anos, mudou-se para um casarão assobradado  de número 18 da rua Cosme Velho, no bairro de mesmo nome, situado no sopé do morro do Corcovado e do morro de Dona Marta. 
       Por 48 anos, morou permanentemente nesse endereço até o seu falecimento aos 69 anos de idade.   Por esse fato, e por sua total entrega à escrita,  recebeu dos muitos amigos (e dos poucos e raros detratores) a carinhosa alcunha de “Bruxo do Cosme Velho”.
Rua Cosme Velho nº 18 - Residência de Machado de Assis
/ Fundação Biblioteca Nacional 
Por sua terra natal, o então município do Rio de Janeiro, Machado de Assis tinha uma verdadeira obsessão.  Percebendo isso, seus amigos lhe perguntavam – sempre e a todo instante – a título de brincadeiras,  o porquê desse tão gigantesco amor pela cidade.  Ele, pacientemente, e em sua sisudez característica, respondia-lhes: “Ora, porque ainda não encontrei uma mulher à altura.”   (Ele acabou encontrando-a na pessoa da jovem Carolina Augusta Novais.  Para ela, escreveu e dedicou   quando do seu falecimento após apenas 16 anos de casados, – o mais belo dos seus sonetos (e da literatura brasileira)  – “Carolina” .

Outros doidamente apaixonados pelo Rio.


Além do “Bruxo do Cosme Velho”, uma plêiade de romancistas, contistas, poetas, têm-se somado à teatrólogos, cineastas, músicos/compositores, seresteiros, boêmios e outros tantos represantes desta fauna de “romeos” – amantes eternos desta cidade cognominada carinhosamente de Cidade maravilhosa”.

Vinícius de Moraes,Tom Jobim, Chico Buarque de Holanda, Leila Diniz, e a musa da bossa nova Nara Leão; Sérgio Porto (o Stanislau Ponte Preta) Glauber Rocha;   os cearenses Belquior e Fagner; os baianos Caetano, Gil,  Bethânia e Gal;  os mineiros Milton Nascimento, Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Beto Guedes os paraibanos Geraldo Vandré, Chico Cesar, Elba e Zé Ramalho; os pernambucanos:  Alceu Valença, Capiba, Naná de Vasconcelos, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, e Gilberto Freire; a turma do Pasquim: Millor, Jaguar, Ziraldo, Tarso de Castro, Sérgio Augusto, Paulo Francis, Henfil e o sociólogo Betinho, seu irmão
Sem deixar de arrolar entre os alucinados por esse Rio de "encantos mil", o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (cuja estátua  de bronze há muito observa o mar e as areias de Copacabana).
Estátua de bronze de Drummond de Andrade, na praia de Copacabana - Imagem: WikiRio -  (divulgação)
Por último, a estranha fixação  pelo Rio de um certo capitão.

No meio do caminho tinha uma pedra” – assim começa o poema escrito por Carlos Drummond de Andrade em 1928.  De absoluta simplicidade, o poema é tido como um dos mais belos da literatura brasileira.  Esse poema do Drummond goza de contínuas análises,  graças ao seu teor profundamente emblemático.
Também é representativo de muitas situações ocorridas, ou que poderão vir a ser.  Como essa escancarada há poucos dias atrás. 
Vejamos, a seguir.
A pedra no caminho do Atual Inquilino do Palácio do Planalto, um certo capitão reformado, não é – em hipótese alguma – um simples cascalho, um mero pedregulho.  Muito pelo contrário: tem a estrutura de uma rocha meteórica, com um poder arrasador de dimensões incalculáveis.
Seu nome?  Sérgio Fernando Moro, ex-juiz, ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública.
Concepção artística do choque de um meteoro com o planeta Terre   -   Google Images

Uma mera questão:  quem colocou a “bendita” pedra no caminho do tal capitão?

Ou, refazendo melhor a basilar questão:
― O que levou o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Fernando Moro, a botar a boca no trombone, em alto e bom som, ao vivo e a cores, quando do anúncio de seu pedido  de demissão?
Sérgio Moro,  quando do anúncio de seu pedido de demissão        -         Foto: André Coelho / Valor
E, mais: após rasgar o verbo, didaticamente, comparecer em juízo para, ao longo de 8 horas, deixar registrado, tim-tim por tim-tim umas certas condutas nem tanto dignas de um presidente, ou de um governante, ou de um mandatário, ou de um chefe de governo, (ou de qualquer coisa que o valha). 
O fato é que o então ministro da Justiça e Segurança Pública, não suportou mais conviver com os desmandos do surrealista governo 
de Bolsonaro&filhos
A gota d'água foi a patológica insistência do Capitão de substituir,
o comando da Polícia Federal do Rio, por uma pessoa amiga do Clã bolsonarista para fornecimento de informações dos processos envolvendo o a família bolsonarista&aliados

O copo do ainda Ministro da Justiça e Segurança Pública transbordou de vez, quando da Reunião Ministerial realizada no dia 22 de abril, com a presença de toda a Equipe de Governo, dirigentes de bancos e empresas estatais  e mais os "mandatários-filhos" (é claro!).  
A reunião  sabe-se agora – foi adornada por palavrões obscenos dirigidos à prefeitos, governadores, países europeus e asiáticos (à China, obviamente).  Uma das ofensas foi dirigida – pasmem– aos 11 ministros do STF e às senhoras mães deles, conforme noticiado pelos mais idôneos jornais do dia posterior à "nobre" reunião. (Confiram, por favor. E preparem-se para o estarrecimento).  
Foi nessa "pitoresca" Reunião Ministerial que o Atual Inquilino Palácio do Planalto determinou a mudança do diretor da Polícia Federal do Rio de Janeiro, sob pena de exoneração do Ministro. 

O íntegro Sérgio Moro, o responsável por conduzir, de forma exemplar, a Operação Lava Jato; que, como todos sabemos:  a mais austera operação de combate à corrupção que vinha solapando o erário público, em dimensões “nunca dante vista neste País” – como reza o refrão do  mais ladino dos corruptos, e cujo fim foi passar uma temporada entre as grades, condenado exatamente pela ação da Operação Lava Jato. 

O impoluto juiz-ministro não aceitou "as regras do jogo" do Atual Inquilino do Palácio do Planalto, e acabou declarando sua demissão, em transmissão ao vivo para todo o Brasil..    
      
As imundices expostas
Depois da exposição precisa do ex-ministro Sérgio  Moro, a Nação brasileira ficou estarrecida e revoltada pelas imundices que pululavam (e, tudo indica, ainda permanecem)  na capital do País.  Uma das peças das roupas sujas, descaradamente expostas nos varais armados em alguns gabinetes do tal Palácio do Planalto era a fixação do Capitão pela mudança da superintendência da  Polícia Federal do Rio de Janeiro .
Com que objetivo?  É o que está questionando o inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, a pedido do Procurador Geral da República  Augusto Aras.   
O decano Ministro do STF Celso de Mello    -   Foto: Gabriela Biro  -  Estadão 1/8/2019
Por convocação do ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal,
prestarão depoimentos na terça, dia 12, os ministros:   Walter Souza Braga Netto (Casa Civil),  Augusto Heleno Ribeiro Pereira (Gabinete de Segurança Institucionale  Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo),
       Os três ministros, além de terem participado da famigerada Reunião Ministerial do dia 22/4, eles também se encontraram com Moro no dia seguinte, quando então o ex juiz da Lava Jato deixou claro que não pretendia tirar o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, Maurício Valeixo, como exigido pelo Capitão.
Ministros: Braga Netto (Casa Civil),  Augusto Heleno  (Gabinete de Segurança Institucionale  Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo)
O então ex-Superintendente Maurício Valeixo será ouvido 2ª feira, dia 11/5.  Nesse mesmo, irá depor Alexandre Ramagem, "amigo íntimo da família do Capitão, e mesmo dele – Capitão – conforme suas próprias enfatizadas palavras. Ramagem não chegou a tomar posse, em decorrência da liminar do ministro do STF Alexandre de Moraes que considerou "desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do diretor da Polícia Federal, em inobservância da moralidade e do interesse publico".

No dia 13 serão ouvidos outros delegados envolvidos no processo, bem como deputada federal Carla Zambelli.
A parlamentar será ouvida em função da sua troca de mensagem com o ex-ministro Sérgio Moro,  em que pede que ele faça a mudança na Direção-geral da Polícia Federal do Rio, solicitada por BolsonaroEm troca, ela se comprometeria "a ajudar" o ex-ministro com uma vaga no STF.   A resposta de Sérgio Moro foi curta e precisa: "EU NÃO ESTOU À VENDA"
Ex-ministro Sérgio Moro e a deputada federal Carla Zambelli
Registros audiovisuais
O decano do Supremo Tribunal Federal também determinou que lhe fosse entregue, "sem cortes e emendas a cópia dos registros audiovisuais da  reunião realizada entre o presidente, o vice-presidente da República, ministros de Estado e presidentes de bancos públicos, ocorrida no último dia 22/4, no Palácio do Planalto.  O objetivo, segundo o ministro Celso de Mello,  é confirmar a afirmação de Moro de que Bolsonaro teria cobrado a substituição do superintendente da Policia Federal no Rio de Janeiro.

As questionadas “assinaturas” no famoso Decreto de Exoneração

Outra diligência autorizada é a a obtenção de comprovantes de autoria e integridade das assinaturas digitais no decreto de exoneração de Valeixo do cargo de diretor-geral da Polícia Federal, publicada no Diário Oficial da União em 23/4, além de eventual documento com pedido de exoneração encaminhado por Valeixo ao presidente.

Liberdade de imprensa


Foto:  Dreamstime.com - Stockfotos 88001356
Ao afastar o sigilo do inquérito, o ministro Celso de Mello afirmou que a liberdade de imprensa, no sentido de projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, deve ser abrangente. “Daí a razão de não se impor, como regra geral, regime de sigilo a procedimentos estatais de investigação, notadamente naqueles casos em que se apuram supostas práticas criminosas alegadamente cometidas por autoridades em geral e, particularmente, por aquelas que se situam nos mais elevados postos hierárquicos da República, destacou o decano Juiz Celso de Mello.
Na realidade, os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério, porque a supressão do regime visível de governo – que tem na transparência a condição de legitimidade de seus próprios atos – sempre coincide com os tempos sombrios em que declinam as liberdades e transgridem-se os direitos dos cidadãos.
"CALA A BOCA!..."   - Esta infame ordem, dirigida a um jornalista,  foi dada por quem se diz respeitar a Constituição  Foto publicada no jornal O Estado de S. Paulo

Retornando ao poema do Drummond (No meio do caminho tinha uma pedra”), só podemos concluir que de tantas patetices circenses do “governo”  Bolsonaro&filhos, serão muitas as pedras que irão rolar no Palácio do Planalto.  Pesadas, agudas e cortantes.


Fontes:  Biblioteca Nacional / New York Public Library  / Museu da Imagem e Som / Correio da Manhã / Jornal do Brasil / O Pasquim / O Globo / Veja – Abril /  Época / Exane /  Folha de S. Paulo / O estado de S. Paulo /  Le Monde / Granma Organo ufficiale del PCC Swedish Academy Magazine

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