17/novembro/2017
às 17h26
Raquel Dodge contesta ministros do STF sobre prisão em 2ª instância
Em documento, a
Procuradora afirma que integrantes do
Supremo Tribunal Federal (STF) não têm seguido entendimento da Corte sobre
execução da pena
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, diz que
será um "retrocesso" se o Supremo Tribunal Federal revogar a decisão
de executar a pena após julgamento em segunda instância (Marcelo
Camargo/Agência Brasil)
A procuradora-geral da República Raquel Dodge enviou
nesta quinta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) a sua primeira
manifestação contra a tentativa de revisar a execução da pena após a condenação
em segunda instância. No documento, obtido por VEJA, Dodge critica as decisões
recentes de ministros que têm ignorado esse entendimento do plenário do STF,
fixado no dia 5 de outubro de 2016. “Tem-se observado a sua progressiva
inobservância em decisões monocráticas proferidas por Ministros do STF”,
escreveu a procuradora-geral. “A revogação deste importante precedente, menos
de um ano após a sua formação, vai de encontro à necessidade de se garantir um
sistema jurídico estável e previsível”, completou.
De 2009 até 2016, o Supremo entendia que a pena deveria
ser executada, colocando o réu atrás das grades, somente quando a sentença
transitasse em julgado. Ou seja, quando fossem esgotadas todas as instâncias e
os trâmites dos tribunais. No entanto, em fevereiro de 2016, a Corte decidiu
rever essa posição. Essa virada foi formada por um placar de 7 a 4 no plenário.
O efeito dessa mudança foi imediato. No mês seguinte, o ex-senador Luiz
Estevão, que ao longo de onze anos recorreu 36 vezes ao judiciário, foi preso
por já ter sido condenado em segunda instância em 2006. Oito meses depois, o
STF voltou a discutir essa questão, que continuava gerando controvérsia no meio
jurídico. Numa nova votação, seis ministros votaram a favor de manter a
execução penal após o julgamento em segunda instância, enquanto cinco foram
contrários a esse entendimento. A partir daí, esperava-se que a questão
estivesse resolvida. Só que não. Alguns ministros passaram a dar decisões
contradizendo a jurisprudência do Supremo.
Para a procuradora-geral, a revogação desse entendimento
por alguns integrantes do STF representa “triplo retrocesso”. Primeiro porque
gera uma insegurança jurídica e coloca o “sistema de precedentes incorporado ao
direito brasileiro” numa posição instável e sob descrédito. Segundo: o
cumprimento da pena seria ameaçado com processos longos, “recursos
protelatórios e penas prescritas”. Por fim, seria colocado em questão a própria
“credibilidade da sociedade na Justiça, com a restauração da percepção de
impunidade”.
Em sua manifestação, Dodge destaca que o ministro Gilmar
Mendes tem seguido o entendimento de seu colega Dias Toffoli, proferindo
decisões defendendo que a execução da pena deve aguardar o julgamento do
recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Mas, de acordo com a
procuradora-geral, isso poderá acarretar “os mesmos problemas que levaram à
superação do antigo entendimento jurisprudencial acerca do tema: a interposição
de recursos especiais incabíveis (e de outros expedientes processuais passíveis
de serem manejados em seu bojo), voltados a alongar o processo e a forçar a
ocorrência da prescrição punitiva ou executória”. Dodge também cita dois casos
que estão sob a relatoria dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
Na atual composição do STF, dois votos podem inverter o
placar fixado em agosto do ano passado. Um deles é o do ministro Alexandre Moraes,
nomeado em fevereiro deste ano para substituir Teori Zavascki, morto em
janeiro. Ao ser sabatinado no Senado, o magistrado novato não disse se é a
favor ou contra a execução da pena em segunda instância. Apenas se limitou a
declarar que a prisão antes de o processo transitar em julgado não fere a
Constituição. O outro é o de Gilmar Mendes — que, apesar de ter votado a favor
da prisão após o julgamento em segunda instância, costura com Toffoli uma
alternativa em que o réu poderia ir para o xilindró somente após o julgamento
de recurso especial no STJ. Nesse caso, alguns ministros acreditam que Moraes
poderá encampar a proposta.
Sabendo disso, a procuradora-geral cita em sua
manifestação um voto do ministro Luis Roberto Barroso em que se destaca um dado
importante: o STJ só deu razão aos réus condenados em segunda instância em
apenas 10,29% dos recursos especiais criminais interpostos entre janeiro de
2009 e junho de 2016. “Ou seja, ao se possibilitar a prisão do réu condenado
nas instâncias ordinárias, mesmo que pendente recurso especial, não se levará à
prisão alguém que será absolvido depois, quando do julgamento de tal recurso
pelo STJ”, afirma Dodge. “O máximo que poderá acontecer, e ainda assim muito
raramente (o que se deduz diante do baixo percentual de provimento de recursos
especiais pelo STJ), é que a prisão atinja alguém que, posteriormente, tenha
sua pena reduzida no julgamento do recurso especial, alterando-se, assim, o
regime de cumprimento de pena”, diz a procuradora-geral. A manifestação de
Dodge será apreciada pelos ministros do Supremo.