14/março/2017 - 11h15
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao deixar o prédio da Justiça Federal, em Brasília, onde o petista foi interrogado - André Dusek / Estadão |
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou em seu depoimento à 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília a acusação que lhe é feito de ter atuado para impedir a delação premiada de Nestor Cerveró. Ele afirmou nesta terça-feira que vem sofrendo nos últimos três anos "quase que um massacre" pela série de acusações que lhe são dirigidas. É o primeiro depoimento de Lula na condição de réu.
— Há mais ou menos três anos tenho sido vítima de quase que um massacre
— disse Lula.
— Estou orgulhoso e prazeroso de estar aqui e contar a versão desse
fato. Me ofende profundamente a informação de que o PT é uma organização
criminosa — afirmou.
No início do depoimento, Lula demorou para responder qual seria sua
renda mensal. Ele relatou receber R$ 6 mil de uma indenização concedida pela
comissão de anistia, fazer uma retirada de R$ 30 mil da sua empresa de
palestras e contar ainda com a doação dos filhos. Questionado pelo juiz para
definir um valor, Lula estimou sua renda em cerca de R$ 50 mil mensais.
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Foto: Agência Reuters |
Lula afirmou que o ex-senador Delcídio Amaral disse uma inverdade ao
envolvê-lo no caso. O ex-presidente disse que Delcidio deve ter ficado
incomodado por ter sido chamado de "imbecil" quando o ex-senador
apareceu em uma gravação falando de tentativas de interferir em decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF).
— Me parece que não gostou da minha declaração. Não quis ofendê-lo —
afirmou.
O ex-presidente disse ter ouvido falar que há um incentivo para que os
delatores citem o seu nome.
— Por tudo que ouço na imprensa tem alguém instigando a falar meu nome.
É bem possível. Vi entrevista dele na Globonews e parecia que tinha recebido um
prêmio Nobel da delação, vi no Roda Viva também. Depois que faz a bobagem que
fez, se é que fez, ele teria que jogar no colo de alguém. Minha relação com
Delcídio era institucional — afirmou.
'EU NÃO, ELE'
Lula afirmou que Delcídio era quem tinha relação com Cerveró, e não ele.
O ex-presidente relatou ainda como seriam os processos de indicação para
diretorias da Petrobras destacando que as nomeações eram técnicas e que a
decisão final era do Conselho de Administração da Petrobras.
‘Sabe o que é levantar todo dia com a imprensa na porta de casa achando
que você vai ser preso?’
Ele foi questionado pelo juiz Ricardo Leite sobre uma declaração sua no
passado de que acompanhava tudo que acontecia na Petrobras. O juiz chegou a
questionar Lula se ele desejava ver o vídeo em que fazia essa declaração. Lula
disse que não era necessário e reiterou como era o processo de escolha dos
diretores da estatal.
— O presidente não indica, recomenda ao Conselho a indicação de tal
pessoa recomendada por tal partido político a partir da capacidade técnica. Era
assim que funcionava no governo anterior, no governo militar e deve funcionar
hoje — afirmou.
INSTITUTO LULA
Lula afirmou que não existia burocracia no Instituto Lula e que
realizava reuniões tanto relativas ao trabalho da instituição quanto para
debater política.
— Deveria ter alugado uma sede do lado e quando discutisse uma coisa ia
numa cadeira e outra em outra cadeira. É uma burocracia. Eu sou o mesmo ser
humano — afirmou.
O ex-presidente brincou que havia até um apelido para o instituto com
base na diversidade de assuntos que eram tratados lá, provocando risos na sala.
‘Me parece que ele (Delcídio) não gostou da minha declaração de ter
chamado de imbecil. Não quis ofendê-lo’
— Sabe qual era o apelido do instituto? Posto Ipiranga. Lamentavelmente
era assim. Não era por causa do Instituto, era do personagem. Tem problema em
tal lugar? Vai no posto Ipiranga. Tenho orgulho disso — disse.
Lula fez ainda um desabafo reclamando das acusações a que tem respondido.
— Sabe o que é levantar todo dia com a imprensa na porta de casa achando
que você vai ser preso? — questionou.
LAVA-JATO ‘ QUE VÁ FUNDO’
O ex-presidente afirmou que deseja que
a Lava-Jato "vá fundo", mas sem vazamentos.
— Tem gente que acha que sou contra a Lava-Jato, mas pelo contrário,
quero que vá fundo para ver se acaba com a corrupção. Sou contra querer fazer
pela imprensa e não pelos autos — disse.
Lula reclamou por diversas vezes da imprensa e afirmou que vai
"matar de raiva" a imprensa porque continuará aparecendo na liderança
das pesquisas. Afirmou que vai fazer uma defesa da sua honra.
— Um cidadão que nasce no Nordeste e não morre de fome aos cinco anos
não tem medo de cara feia. Quero defender minha honra, que é o valor mais
importante que eu tenho — afirmou.
Lula fez ainda reclamações sobre a postura de integrantes da Polícia
Federal, do Ministério Público e do Judiciário.
— Estou cansado de ver procurador não precisa prova, tem convicção, juiz
dizer não preciso prova, tenho fé — afirmou.
— Juiz, promotor e delegado não tem que ficar fazendo pirotecnia.
Investiga, denuncia e condena, não é tirando fotografia, inventando mentira e
ilações — disse.
O ex-presidente contou ainda que em uma audiência de um processo que
move contra uma jornalista um juiz riu quando sua advogada se referia a ele
como doutor mesmo a sua defensora afirmando que usava o título devido às condecorações
de "doutor honoris causas" recebidas por ele.
— O juiz deu gargalhada e pouco depois inocentou a jornalista. Vou
recorrer até à Suprema Corte. Tenho fé em Deus. Em nome da liberdade de
imprensa ninguém pode avacalhar — afirmou.
Ao longo do depoimento Lula fez ainda uma defesa de seu governo e do PT.
Afirmou que quando o partido é acusado de ser uma organização criminosa os
deputados e vereadores deveriam acionar a Justiça para exigir provas.
BOM HUMOR
Lula fez ainda algumas brincadeiras, mostrando descontração. Antes do
início do depoimento brincou com o juiz que o deputado Paulo Teixeira (PT-SP)
roubou uma cadeira para conseguir ficar dentro da restrita sala de audiência. Já
durante a sua fala disse que recorria à Bíblia diante da quantidade de pessoas
que usavam seu nome "em vão". Quando a defesa de José Carlos Bumlai
questionou se uma ligação do pecuarista para Lula em 2015 seria para
cumprimentar sua mulher Marisa pelo aniversário, o ex-presidente não se
conteve:
— Ele ia nos aniversários. No dia 7 de abril tem ligação. É o mínimo que
eu esperava dele, que ligasse pra ela no aniversário.
Do lado de fora um grupo de cerca de 50 manifestantes acompanhou a
entrada e a saída do ex-presidente aos gritos de "Lula, guerreiro, do povo
brasileiro".