terça-feira, 28 de junho de 2016


Polícia Federal faz operação para apurar desvios na Lei Rouanet

Grupos ligados a eventos desviaram cerca de R$ 180 milhões dos recursos da lei

A Polícia Federal deflagrou na madrugada desta terça-feira (28) a Operação Boca Livre, em ação conjunta com a Controladoria Geral da União. A intenção é apurar o desvio de recursos federais em projetos culturais com benefícios de isenção fiscal previstos na Lei Rouanet. De acordo com a denúncia, eventos corporativos, shows com artistas famosos em festas privadas para grandes empresas, livros institucionais e até mesmo uma festa de casamento foram custeados com recursos da lei. Produtores culturais que integram um grupo ligado a eventos são responsáveis pelo desvio de cerca de R$ 180 milhões, segundo a Polícia Federal.
Foram cumpridos 14 mandados de prisão temporária. Segundo a Polícia Federal, o grupo fraudava a Rouanet desde 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Na época, o ministro era Francisco Weffort. Desde então, a pasta foi ocupada por Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Marta Suplicy e Marcelo Calero.
Trinta e sete mandados de busca e apreensão de documentos foram cumpridos em São Paulo, Rio de Janeiro e no Distrito Federal, abarcando também o Ministério da Cultura. Com a investigação sob sigilo, a Polícia Federal não citou os nomes dos envolvidos. Trabalham no caso 124 policiais federais e servidores da Controladoria Geral da União. Os mandados foram expedidos pela 3ª Vara Federal Criminal em São Paulo.
Entre os alvos de busca está o Grupo Bellini Cultural (os 14 mandados de prisão expedidos nesta manhã foram feitos contra integrantes deste grupo), que aparece como o principal operador do esquema, o escritório de advocacia Demarest e as empresas Scania, Kpmg, Roldão, Intermédica Notre Dame, Laboratório Cristalia, Lojas Cem, Cecil e Nycomed Produtos Farmacêuticos. 
Polícia Federal cumpre mandados de prisão e de busca e apreensão
Polícia Federal cumpre mandados de prisão e de busca e apreensão
Antonio Carlos Bellini, dono da Bellini Cultural, e sua mulher, foram dois dos presos nesta terça-feira. A Bellini Cultural tem mais de 20 anos de atuação no mercado. O produtor cultural Fábio Ralston também foi preso.
A ação investiga mais de 10 empresas patrocinadoras que trabalharam com o grupo e estima-se que mais de 250 projetos tenham recursos desviados. As empresas recebiam os valores captados com a lei e ainda faturavam com a dedução fiscal do imposto de renda. Com isso, o montante desviado pode ser ainda maior do que R$ 180 milhões, conforme a PF. 
Rodrigo de Campos Costa, delegado regional de Combate e Investigação ao Crime Organizado, disse que as irregularidades eram evidentes, com documentos fraudados de forma grosseira. “Houve, no mínimo, uma falha de fiscalização do Ministério da Cultura”, afirmou.
A PF afirma que "há indícios de que as fraudes ocorriam de diversas maneiras, como a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras".
As investigadores apontam que, Antonio Carlos Belini Amorim usou recursos públicos para pagar despesas do casamento de um familiar. A festa de luxo aconteceu na praia Jurerê Internacional, em Florianópolis. Na casa dele, foi apreendida uma BMW.
Decoração de luxo de casamento investigado pela PF, na praia Jurerê
Decoração de luxo de casamento investigado pela PF, na praia Jurerê
O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, participou de coletiva de imprensa nesta terça-feira: "O nome Boca Livre é genial. Vimos nessa madrugada a gravação de um vídeo de um casamento, uma festa boca livre que nós pagamos. Foi num hotel cinco estrelas em Florianópolis. Achamos que tivessem sido contratados modelos para fazer o vídeo, mas não, eram os convidados tomando champanhe."
As fraudes ocorriam pela não execução de projetos, superfaturamento, notas fiscais de serviços ou produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras.
Os presos responderão por crimes como organização criminosa, peculato, estelionato contra União, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica, cujas penas podem chegar a até 12 anos de prisão.
A Justiça Federal já inabilitou pessoas jurídicas que estão entre os suspeitos de propor projetos culturais junto ao Ministério da Cultura e à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Também foi realizado o bloqueio de valores e o sequestro de bens como imóveis e veículos de luxo.
O inquérito policial foi instaurado em 2014. O nome dado à operação, Boca Livre, é uma expressão usada para festas onde se come e bebe de graça. A operação foi a primeira realizada com o Laboratório de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro de São Paulo - LAB-LD, que fez o cruzamento e a análise de dados e informações. Ele será utilizado também na análise do material apreendido.
Em nota, o escritório de advocacia Demarest afirma que a PF foi à sede da empresa para solicitar documentos e informações relacionados a empresas de marketing de eventos que prestaram serviços ao escritório no âmbito da Lei Rouanet.
"O escritório enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade, e informa que colaborou e continuará a colaborar com a investigação", diz o comunicado.
Em nota, o MinC informou que as investigações para apuração de uso fraudulento da Lei Rouanet têm o apoio integral do ministério e que “se coloca à disposição para contribuir com todas as iniciativas no sentido de assegurar que a legislação seja efetivamente utilizada para o objetivo a que se presta, qual seja, fomentar a produção cultural do país”.
A empresa Roldão disse que contratou "a Bellini Eventos Culturais para a realização de dois show corporativos e que, na manhã desta terça-feira (28), teve que apresentar à Polícia Federal documentação referente a esses serviços". "A empresa informa que não é alvo da operação e que já entregou à força-tarefa todos os documentos solicitados. Por fim, reforça que está colaborando com a investigação, à disposição de todas as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos e que não admite qualquer tipo de irregularidade ou ilegalidade em suas atuações", diz a nota.
A Scania informou que tomou conhecimento pela manhã da operação Boca Livre e "que está colaborando integralmente com a investigação e à disposição das autoridades".
Segunda fase
Na segunda fase da Operação Boca Livre, o objetivo será descobrir o porquê da falta de fiscalização das fraudes. “Esses projetos já saiam encarecidos [do Ministério da Cultura] com valores estratosféricos”, disse Karen Louise, procuradora do Ministério Público Federal.
“Há um procedimento de fiscalização, do próprio Ministério da Cultura. São fatos relacionados a 2014. Nós temos que aproveitar a operação para punir aqueles que desviaram recursos, mas também melhorar os procedimentos preventivos de fiscalização do dinheiro público”, disse o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

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